Se há algo que devemos fazer quando acordamos é olhar para as notícias, nem
que seja apenas para ter a certeza que o mundo não acabou. A forma mais fácil
de o fazer é online, já que podemos seleccionar o tema que nos interessa quando
queremos sem ter que perder tempo a ouvir “analistas” que, em 95% dos casos,
não têm rigorosamente nada a acrescentar. O único problema, na minha
perspectiva, são mesmo os comentadores. Grande parte do que é escrito nas
publicações online portuguesas é simplesmente vil para além de qualquer
descrição. O nível é abismal. Entre a ignorância e o ordinário parece que
estamos numa execução pública do século XVI. Claro que isto reflecte a falta de
qualidade da opinião pública no nosso país. Ninguém se dá ao trabalho de
investigar nada antes de falar. E muito menos aceita ser corrigido, mesmo
quando está consciente que não tem bases para as afirmações, escabrosas, que
faz. É caso para dizer que a ignorância faz o atrevimento.
Claro que não sou o primeiro a notar neste padrão de comportamento. Muitas
vozes, especialmente de meios mais “mainstream”, já criticaram estes
comportamentos algo animalescos de certos comentadores que frequentam os sites
noticiosos portugueses. A sua conclusão assenta essencialmente sobre um único
factor, o anonimato. E aqui é que as coisas ficam mais feias. Esta análise da
situação é muito conveniente para quem pertence ao “meio noticioso” porque
apaga décadas de deficiências por parte de certas classes e grupos (as pessoas
não reclamam do mau jornalismo ou da falta de civismo porque muitas vezes nunca
viram exemplos de qualquer uma das coisas) ao mesmo tempo que visa atacar um
anonimato que sabem ser necessário num país como o nosso, em que vinganças
pessoais são o habitual, especialmente quando existem disparidades de poder.
A falta de educação e conhecimento desempenham um papel importante e o
anonimato pode abrir a porta para alguns abusos (tal como abre para a denúncia
de injustiças e para o comentário honesto) mas o factor central desta selva
electrónica é que quase todos os comentadores prevaricadores estão a defender
interesses concretos e pessoais. Não estamos perante opiniões “em bruto” mas
sim perante defesas organizadas de alguns poderes e instituições por pessoas
perfeitamente conscientes do estrago que causam (quem domina particularmente
bem esta técnica são os pequenos grupos da extrema-direita). Neste caso parece
óbvio que a solução não estará num abandono das caixas de comentários às feras
ou da proibição do anonimato como alguns propõe mas sim uma fiscalização do
nível de civismo de quem comenta. Se isto não é feito será caso para perguntar
qual é o tipo de opinião pública que se quer fomentar em Portugal. Queremos um
modelo de debate civilizado e de partilha? Ou pelo contrário um de gritos
histéricos irracionais que não pode ter qualquer conclusão útil?
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